Fidêncio Xavier: O alferes que não chegou à Lapa

Por Fábio Reimão de Mello - 30/05/2013

Quando se fala do passado, seja referindo-se a fatos, pessoas ou costumes, temos a tendência de dirigir nossa atenção ao “o que aconteceu”, ou seja, ao acontecimento em si, cuja imagem é formada pelas principais informações que temos acesso.

Apesar disso representar fator básico para o entendimento da história, ficar restrito ao que se considera como ponto principal, pode nos levar a um erro, que é capaz de comprometer a compreensão do que realmente aconteceu. Assim, ao considerarmos a importância do contexto em que o fato ocorreu, a mentalidade, os interesses, as informações detidas, ao clima, aos fatores psicológicos, as expectativas, os meios disponíveis na época e toda uma série de fatores que rodeiam o fato ocorrido, podemos verificar que determinado acontecimento, que aparenta ser positivo, pode ser desqualificado como tal, ou então se justifique um fato tido como negativo.

Isto, além de proporcionar uma melhor compreensão histórica, faz com que as pessoas do passado deixem de parecer “seres extraterrestres”, gente de aspecto totalmente frio, diferente dos humanos atuais e tidos como “normais”, se revestindo de uma imagem mais real, como seres sujeitos à interferência do ambiente, com sentimentos, interesses, problemas…

Assim o impacto de uma sucessão de acontecimentos sobre um grupo de pessoas pode até ser dimensionado por meio da atitude de um indivíduo, ao materializar um sentimento coletivo.

Ao seguirmos de Rio Negro para a Lapa, pela antiga estrada das tropas, a rotina da bela paisagem formada por matas e áreas de cultivo, esparsamente povoadas, é quebrada a cerca de 1 km antes de atingirmos o rio da Várzea: Chama atenção o branco da cerca metálica, das pedras e lápide do túmulo existente bem no meio de uma plantação.

Uma mancha branca em meio a um mar verde, que marca o local de um dos momentos de maior tensão vividos em nossas cidades, materializado no suicídio do alferes Fidêncio Xavier da Silveira durante o deslocamento da tropa republicana até a Lapa, durante a Revolução Federalista em 1893. Um ato cuja compreensão exige lembrar dos acontecimentos que o antecederam e, podem ter influenciado tal atitude:

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1° – a tropa Pica-Pau a qual Fidêncio fazia parte, havia se dirigido à São Bento para  combater os Maragatos que estariam seguindo pela estrada dona Francisca rumo ao Paraná;

2° – após descobrir que o inimigo era maior do que o imaginado inicialmente e que, aproximando-se por dois diferentes caminhos (a estrada dona Francisca e a estrada das Tropas) poderia cercá-la, a confiança inicial deu lugar ao receio e levou ao recuo à Rio Negro;

3° – em Rio Negro, com um relevo totalmente a favor, os Pica-Paus travaram seus primeiros embates com o 1° grupo de maragatos a chegar (vindos da estrada dona Francisca), verificando não possuir condição de vencer o inimigo quando este estivesse com efetivo total;

4° – de madrugada, foi ordenado o recuo em direção à Lapa. A tropa então abandonou nossa cidade e seguiu pela estrada das Tropas;

5° – durante todo o trajeto, foi constante entre os militares, o receio de uma possível perseguição Maragata;

6° – ao atingir a região do rio da Várzea, correu a notícia de que a ponte foi dinamitada pelo inimigo e que a passagem sobre o rio estava sendo recuperada às pressas por uma equipe de militares.

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7° – assim, a ideia do ataque Maragato se reforçou, parecendo algo certo e inevitável. Tecnicamente encurralados, o medo e o desespero se espalham rapidamente. Foi nesse momento que se dá o suicídio.

Esta sequência abreviada de acontecimentos nos lembra que falamos de um contexto de guerra civil, com as tensões naturais de tal tipo de evento agindo diretamente sobre as pessoas envolvidas que, no caso dos militares Pica-Paus, tinham uma situação inicial aparentemente favorável, mas que foi se deteriorando rapidamente até alcançar um estágio crítico próximo da divisa entre Rio Negro e Lapa.

Assim, mesmo diante de toda a situação, a ocorrência de um único suicídio em meio aos militares, civis e membros da guarda nacional que ali estavam, sujeitos ao mesmo contexto, pode indicar a existência de fatores individuais que levaram ao ocorrido, tanto quanto pode ter evitado que outros casos semelhantes viessem a ocorrer naquele momento. O impacto da morte em meio a tropa, por sua proximidade física, pode ter servido àquelas pessoas, como demonstração prática de que ainda era preferível a dúvida da morte pelas mãos Maragatas do que a morte propriamente dita. Isso sem contar com a ação dos militares presentes para acalmar os ânimos das pessoas, tanto para que a atitude não fosse seguida, quanto pela necessidade de manter a ordem e a organização do grupo.

Assim com a observação dos diversos fatores que compõe o contexto no qual ocorre um fato, temos um olhar mais amplo que permite uma melhor compreensão do que realmente se passou uma visão sem dúvida mais nítida ao olhar para o nosso passado.

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1 COMENTÁRIO

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  1. Fico contente de ver esse túmulo sendo revisitado. Eu havia uma fazenda nas proximidades. Por muitos anos eu ouvia falar em conversa nas bodegas sobre esse tal túmulo, ficando muito curioso pois gosto muito do tema sobre o Cerco da Lapa. Aos poucos fui conseguindo informações mais precisas sobre a localização e finalmente em 2008 achei o local. Estacionei o carro e vi um capão de mato no meio da plantação. Quando cheguei perto tive que cortar alguns galhos ate que vi a grade. Avançando com dificuldade mais um pouco vi caído no chão este pilar e as placas de mármore. Fiz algumas fotos e fui embora. Por coincidência, no mesmo dia rumei para uma confraternização de família, numa fazenda em Palmeira. Somente no momento em que eu contava a historia sobre o Fidencio Xavier da Silveira para o marido da minha prima, que neste momento me olhava com os olhos arregalados, é que eu percebi que eles tinham o mesmo sobrenome. Ele me falou "esse é meu tio avo, meu pai passou a vida procurando esse túmulo!". Na semana seguinte voltamos todos lá, limpamos o tumulo e a família providenciou essa reforma. (Se quiserem tenho as fotos do antes e depois da reforma). Naturalmente pedimos permissão para os proprietários do terreno. Eu já havia lido o relato de David Carneiro sobre o suicídio . De qualquer forma perguntei ao proprietário se ele sabia ou já tinha ouvido fala sobre o motivo do suicídio. Ele me contou que o avo dele havia uma bodega do outro lado da estrada onde os soldados que estavam cuidando da ponte almoçavam. Disse que nesse dia estava o Fidencio em uma mesa com outros soldados tomando uma pinga de aperitivo como sempre faziam. Sem falar nada ele se levantou, desceu o campo como se fosse fazer xixi quando eles ouviram o tiro. Disse também que ele sofria de um problema crônico, e reclamava sempre de dores de cabeça. Fidencio era também morador nesta localidade do Mato Preto onde nasceu e cresceu. Importante lembrar que eles não estavam em iminência de ataque. As tropas foram chegar na Lapa dois meses após o ocorrido. Eu não creio que "suicídio por pânico", como descreveu David Carneiro mais tarde, fosse uma prática comum entre os oficiais.

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