A incrível história do ferreiro de Itaiópolis

Reportagem de Edemar Miqueta

Sabe quando enchemos os nossos olhos assistindo aos filmes épicos ou medievais, cheios de cavaleiros com suas armaduras impecáveis e espadas magníficas? Em praticamente todos eles aparecem um personagem, geralmente sem muita importância na narrativa, mas que sem dúvida, na vida real, foi imprescindível para a humanidade: o Ferreiro Forjador, que em algumas culturas é tratado como uma figura mística. Por séculos foram mestres em metalúrgica empírica desenvolvendo metais cada vez mais resistentes e consequentemente, mais eficazes.

A arte de moldar ou forjar o ferro ou outro metal, guarda inúmeros segredos e já tem tem 6 mil anos! Data de pelo menos 4000 aC. Com a finalidade de dar ao metal, forma e função, o ferreiro corta e une as partes através de samblagens, tarugos, cravos e rebites, diferente do serralheiro, que trabalha o ferro cortando-o, serrando-o em vários pedaços para juntá-los pela solda.

Com a chegada dos processos de industrialização e produção em grande escala, o trabalho artesanal perdeu espaço. Apesar de tudo, ainda é possível encontrarmos mãos talentosas desses verdadeiros alquimistas. Circulando pela pequena cidade de Itaiópolis, no planalto norte de Santa Catarina, conhecida como a capital catarinense da cultura polonesa, encontramos o sr. Rick Jakubiak, muito falante e simpático, oitenta e um anos, dos quais, sessenta e sete, dedicados à sua paixão como ferreiro. Ele utiliza fornos de pequenas dimensões, algo em torno de um metro de altura, onde o ar é soprado, hoje por meio mecânico, mas que em outros tempos era através de foles de couro, acionados por tração animal, manual ou hidráulica. Seu Rick tem os nervos das mãos atrofiados por tanto esforço e o exercício da repetição, mas isso não o intimida. Ele tem orgulho e prazer no que faz.

“O trabalho é pesado e não é para qualquer um. Eu fazia de duas em duas (foices), não era uma não! Uma eu tava batendo e outra tava no fogo esquentando. Jogava essa daqui, pegava a outra e já tava pronta e oh, pau! Uma foice dessa pra pegar, uma só, desde o arvado, leva uma hora e meia. Deixar ela prontinha, temperada! Isso se tiver um “carvão” bom, se as máquina tiver funcionando muito bem, oh, quem nem o martelete agora bateu neh! Ai é… tem que bater assim”.

Seu Rick conta que seu pai era agricultor e tinha uma marcenaria em sociedade com um chunhado, queria que ele se tornasse marceneiro e assumisse o negócio, pois era uma profissão “de futuro”.

“Ele queria que eu fosse marceneiro, mas eu não gostava porque, marceneiro tinha que riscar tudo certinho ali, no nível, se cortasse um pouquinho errado já não dava mais… Agora, eu digo não, esse negócio aqui é…. Se ficar curto a gente estica, se tiver comprido, corta! É na porrada mesmo! Gostava! Então ele disse: então pode ir, não tem problema não! Então, foi lá em Paraguaçu que eu aprendi tudo o que sei, com meu tio, Bernardo Cieslinski, irmão da minha mãe. Os netos dele têm a ferraria inteirinha, assim como o avô deles deixou para o pai deles. Tá lá, tem martelete também, só que o martele é bem diferente do meu, fabricado assim, pelos ferreiros mesmo neh! O meu não. O meu já foi fabricado na fábrica mesmo”.

Marcos Jakubiak é o filho mais velho do seu Rick. Ele quer preservar os conhecimentos e ensinamentos do pai.

– “Bom, a gente se criou na ferraria desde pequeno! A gente acordava com o pai batendo ferro; o pai ia fazendo as ferramentas grandes e eu ia fazendo as pequeninhas! Em miniatura, lá no São Pedro (comunidade rural de Itaiópolis); quando era tocado com roda d’água ainda!”

Marcos nos contou sobre a sua vida, de quando era dolescente e foi estudar no seminário São Vicente em Araucária, estududou lá por cinco anos. Depois fez curso de enfermagem. Seu Rick, fez questão de comentar: “Ele não se acertou trabalhar no hospital. Em cada quarto que ele entrava tinha um morto” – aí ele disse: não, não é lugar pra mim!  Vou lá bater ferro com o pai! E voltou pra casa.”

– “Essa já é a terceira instalação que nós mudamos. A primeira foi com roda d’água no São Pedro, depois foi no Paraguaçú, por 12 anos. E aqui estamos já há quase 30 anos. Aqui tocamos direto com o pai. Tinha fundição de alumínio, ferro. Nós mesmo fundia. Fabricava”.

Com orgulho, seu Rick conta: “Eu desenhei uma máquina pra plantio direto, à tração animal. Acho que a primeira no mundo, fabricada por nós aqui. A Souza Cruz é que deu muito apoio pra nós. Mas depois que fabriquemo a Souza Cruz disse: vocês peguem e patenteia ela, tem que patentear essa máquina! Mas daí tinha um amigo engenheiro e disse: olha! Você não perca esse dinheiro, que aqui no Brasil a patente não vale! O cara faz um furinho em outro lugar e já pode fabricar! A patente funciona lá na europa, mas aqui no Brasil, não adianta. Mas eu fui e patenteei. Mas deu o que o engenheiro falou. Foi na primeira demonstração lá e tinha cinco máquina igual a nossa. Aí veio a concorrência. E ia fazer o quê? Ia brigar? Não adiantava. Aí nós vimo que não dava. Eles chegaram os dois, esse e ou outro filho e, vamo largá! Não dá, trabalhá de graça? A gente já trabalha de graça aqui. Porque essa profissão aqui, é pesada! Ali não se ganha dinheiro não. Se alguém pensar em ficar rico na ferraria, aí já era. Pode ser que daqui pra frente alguma coisa mude, mas até essa data! Alfaiate, sapateiro e ferreiro, esses não. Trabalha pra viver. Eu recolhi sobre três salários mínimo, vinte e seis anos. Me aposentei com três salários mínimos. Aí, quando entrou o Fernando Henrique Cardoso de presidente da república, cortaram essas aposentadoria. Me cortaram pra um salário mínimo. Hoje eu ganho um salário. É uma poca vergonha, eu bater ferro por tantos anos aqui. Fazendo tudo pra o agricultor produzir comida pra nós, pra eles fazer a gente de palhaço, sabe! Esse é o nosso governo! Esse é o governo nós que temos no Brasil. Infelizmente, o Brasil é bom, mas o nosso governo, Deus me perdoe!”

Marcos Jakubiak assistindo ao triste depoimento do pai interrompeu:

“Vamos falar sobre a importância da ferraria nos anos em que o pai aprendeu! Na época não tinha carro neh, só tinha carroça. Era o único meio de transporte. As ferramentas, vamos supor, uma roçadeira que nem hoje existe e coisa e tal, era só na base da foice, da enxada, não tinha veneno, agrotóxico.”

Seu Rick Jakubiak respirou fundo e continuou:

“Era tudo na base da carpição. Era tudo carpido com enxada, carpinadeira e roçado com foice, como essas que eu acabei de fazer. Hoje isso aqui, o que tomou o lugar foram os venenos. Passam e não precisa roçar. Seca tudo neh! É isso aí. De fato, me desculpe eu me desabar. Mas quando tenho a oportunidade de desabafar. Isso é um desabafo que a gente faz sabe. Com essa idade que eu tenho, ainda preciso trabalhar. Preciso trabalhar pra ganhar uns trocadinho pra poder sair aí, comer um churrasquinho numa festinha aí, com os amigos, tenho que trabalhar, sabe! Mesmo, tremendo tudo, sabe, tenho que trabalhar. Se me pagassem o certo, os três salários, sabe. Eu tava bão, eu tava satisfeito sabe. Mas com um é pouco! Eu recorri três vezes, mas não adiantou. Isso que eu me aposentei doze dias antes dessa lei ser aprovada. Quer dizer que eu não sou brasileiro então. Isso é muito triste. Triste. Trabalhar a vida inteira assim, eu chegava a fazer uma carpideira por dia, de cinco facas. Uma por dia. Criei meus cinco filhos. Tão aonde tão hoje, eu criei eles todos. Depois demo uma parada. Os últimos dois já estavam trabalhando fora e eu sozinho, já não aguentava mais. Eles achavam que não dava mais aqui. Máquinas que nós fabricava, os outros fabricavam pela metade do preço, então, não dava. Isso que a única máquina aprovada cem por cento pela COAMO foi a nossa…”

“…A gota d’água foi quando já estava tudo desativado aqui. Tentaram roubar e não puderam entrar. Aí chegaram e botaram fogo. Os filhos e o genro vieram aqui e viram. Eu chorei, sabe! Chorei que nem uma criança aqui, quando vi tudo caído. Aí o filho disse: pai não chore, nós vamos reconstruir tudo isso aí pro senhor, tudo de novo! Daí reconstruiram. Minha alegria de voltar a trabalhar é grande. Eu gosto disso aqui, eu gosto! É minha vida!”

Marcos Jakubiak está novamente ao lado de seu pai, na “velha” ferraria. Seus ollhos brilham quando conta da habilidade e dos conhecimentos do pai. É perceptível o orgulho que sente quando fala do privilégio de poder estar ao lado do seu “mestre ferreiro”. Agora, a intenção dos dois é a de continuar com a arte da ferraria e, através da alquimia dos metais, criar peças únicas para colecionadores. Recentemente, Marcos Jakubiak, instalou junto à ferraria um “showroom aonde todos poderão apreciar a sua arte.