Uma das coisas mais divertidas em filmes fantásticos é a possibilidade de imersão em universos que já existiam, mas sob contextos completamente diferentes. As referências de personagens famosos em histórias que foram inspiradas por seus enredos originais sempre fazem com que os cinéfilos de plantão pulem das poltronas em uma clara animação do que estão prestes a ver. Um dos mais recentes filmes estrelados por Tom Cruise traz justamente essa sensação aos amantes dos filmes clássicos.
A Múmia, lançado em 2017, é um reboot da franquia de mesmo nome. A história se passa em Londres, quando uma tumba cruzada é descoberta. No decorrer do enredo, os pesquisadores desvendam que a tumba pertence a uma princesa que foi desbancada do trono em razão do nascimento de seu irmão caçula, mas que não deixou sua sede de poder e lutou pelo trono. Acontece que a estratégia da princesa não era muito ética, tampouco benevolente. A referência com os clássicos fica por conta do Dr. Jekyll e Sr. Hyde, personagens conhecidas do aclamado O Médico e o Monstro, que também dão o ar da graça em A Múmia.
Escrito por Robert L. Stevenson, O Médico e o Monstro (1885) é um livro mundialmente conhecido, no qual o brilhante cientista Dr. Henry Jekyll utiliza uma substância que tem o poder de separar o lado bom e o lado mal das pessoas e, com isso, acaba se transformando em Sr. Edward Hyde, um assassino frio e calculista. O livro é uma das obras que mais contou com adaptações para diversos canais. Desde o teatro aos musicais, Dr. Jekyll e Sr. Hyde ganharam o coração do público que acompanha as referências às suas personagens de personalidades tão opostas.
O sucesso é tanto que o mundo do entretenimento também foi contagiado por personagens inspiradas no Médico e o Monstro, que são encontrados protagonizando fliperamas em casas de jogos e arcades, jogos caça nÃqueis, como o Jekyll and Hyde slot, e jogos em formato role playing game (RPG), como é o caso do Jekyll and Hyde, lançado em 2001, ou do Mazm: Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde, que é apresentado como uma releitura da obra literária.
Dr. Jekyll e Sr. Hyde têm uma proposta atemporal em sua construção. Em um espectro de realidade onde ninguém é totalmente bom ou mau, as personagens criadas por Stevenson demonstram que todos temos desvios de personalidades e valores. A discussão paira na forma como o médico se transforma em um monstro vingativo quando tem seu “lado bom†separado de si, mas em uma análise mais próxima, é justamente isso que o faz mais humano. Saber lidar com nossos extremos nos faz expandir, nos libertando da monstruosidade da frustração e raiva em não nos aceitar. Não é de se espantar que O Médico e o Monstro já foram objeto de estudo à luz psicanalista por conta da abordagem de conflitos da dicotomia psicológica inerente ao ser humano.
É claro que o filme A Múmia não deixa estes aspectos tão comuns a todos nós evidentes na abordagem de Dr. Jekyll e Sr. Hyde, mas há que se destacar a curiosa observação de Stevenson que, há mais de 100 anos, faz sentido em ilustrar aspectos da mente humana ao mesmo tempo que funciona como elemento rico da dramaturgia.
