O que pode parecer uma notícia divulgada por algum órgão de imprensa internacional durante a 2ª Guerra Mundial, em uma cobertura realizada por repórteres correspondentes de guerra, na verdade consta de um pequeno jornal produzido na Itália em 1945, por um grupo de militares brasileiros (entre os quais um riomafrense) que se utilizavam para isso, de uma máquina de escrever, suas horas de descanso durante a noite, exemplares de noticiários americanos e informações diversas de seu dia-a-dia. Tal produção, mesmo em sua simplicidade, demonstra hoje, não somente a capacidade ou mesmo a necessidade do ser humano em comunicar-se, como a descrição do cenário vivido por aquele grupo de febianos e a criatividade e bom humor característicos de nosso país.
Nascido em Itaiópolis, ex-aluno do Colégio Seráfico São Luiz de Tolosa (Rio Negro-PR) e morador em Mafra por muitos anos, Nestor Preima era sargento do Exército quando foi enviado à Itália como integrante do Depósito de Intendência (órgão responsável pelas atividades de logística, que englobavam o fornecimento de meios de transporte, alimentação, munições, uniformes e combustíveis) da Força Expedicionária Brasileira – FEB, para participação no maior conflito da história.
O ‘Depósito de Intendência’, cuja missão não era confrontar-se diretamente com o inimigo, mas sim proporcionar os meios para que a tropa combatente o fizesse, foi instalada na cidade litorânea de Livorno, último porto acessível antes do território italiano que ainda encontrava-se dominado pelo exército Nazista. A cidade, que também servia como sede de órgãos de retaguarda de outros exércitos, estava na época ocupada pelas tropas Aliadas, cenário no qual militares de diferentes países circulavam pelas ruas em meio a sofrida população civil, a escombros e aos canhões anti-aéreos que protegiam a cidade contra ataques aéreos.
Foi juntamente dos sargentos Baruto e Mário, assim como do subtenente Rigartino, que Preima criou o “A Tesoura”, um jornal de aspecto simples, datilografado em folhas de papel ofício nas horas de folga aos domingos, que tinha por objetivo maior, narrar de uma maneira irreverente, os fatos curiosos, ocorridos com os próprios integrantes do Depósito de Intendência que, aliás, eram também seu público-alvo. Daí o nome “A tesoura” não fazer referência ao objeto, mas sim ao verbo “tesourar”, que significa “Falar mal; bisbilhotar; caluniar; fazer más referências”.
Assim “A Tesoura” possuía apenas duas seções, a primeira denominada “Noticiário da Guerra”, era composta de extratos de notícias retiradas e traduzidas do jornal “The Star and Stripes” (jornal oficial das Forças Armadas dos Estados Unidos) e, a uma segunda seção, chamada de “Notícias da Retaguarda”, esta sim composta de diversas histórias que relatavam fatos da vida do soldado brasileiro em Livorno e narrativas bem-humoradas, que “tesouravam” os colegas pelos fatos ocorridos durante a semana.
Com frases e pequenos textos como: “Que o Anísio, vulgo Vovô diz ser moço é fato, mas que tem 20 anos é boato”; “Que tem instalações elétricas na Itália é fato, mas que tem luz à noite é boato”; “A falta de luz aqui, na Itália levou o nosso amigo Ator Destronado a arranjar uma fiançata, em uma dessas casas perdida nas ruas destruídas desta cidade; ou “Que o Sidney, vulgo Marruco, tem andado na linha é fato, mas que não tem uma família na Itália é boato”, as páginas do “A Tesoura” e entretinham e divertiam aquele grupo de militares durante a guerra.
Porém, mesmo com um caráter descontraído, a realidade da guerra acabava por ser representada, de uma forma secundária como fundo para as histórias que se descreviam, carregando em sí uma série de informações que vão além do que simplesmente está relatado e que acabam por descrever a situação histórica específica na qual seus redatores e seu público estavam inseridos,
Portanto, apesar da simplicidade com a qual se apresentava, o jornal “A Tesoura”, que deixou de existir com o retorno da FEB para o Brasil, representa um instrumento rico em aspectos históricos pois revela a influência e presença de fatores daquele ambiente na vida diária e na comunicação desenvolvida por aquelas pessoas; demonstra a necessidade humana de comunicação e também sua incrível capacidade de adaptação à diferentes contextos.