Tão à vista de quem dirige-se à Mafra pela ponte Coronel Rodrigo Ajace, a pequena Capela que abriga os restos da cruz do Monge João Maria, na praça Hercílio Luz, é paisagem tão comum que passa desapercebida pela maioria das pessoas que transitam por aquele local diariamente. Até hoje local oração, o lenho encerrado no interior da simples e discreta capela é cercado lendas e milagres, figurando como símbolo do passado e da fé de nosso povo, merecendo capítulo à parte na história mafrense.
Na década de 1840, a passagem e permanência de tropas militares envolvidas na Revolução Farroupilha, vindas de diversas regiões do país, disseminou a varíola (considerada uma das mais devastadoras doenças infecto-contagiosas) como epidemia em nossa cidade, vitimando mais de 2.000 pessoas. Tratada como à época como “Peste”, a varíola era uma ameaça constante para a população simples e sem grandes recursos médicos daquele período.
Segundo conta-se, em 1851, durante uma passagem do Monge João Maria por estas terras, o mesmo teria orientado a sofrida população a erguer 19 cruzes, fixadas da frente da antiga Capela da Mata em direção à balsa no rio Negro, como forma de livrá-los da peste, da fome e da guerra. Milagre para alguns ou simplesmente coincidência, o fato é que com o passar do tempo a epidemia se foi e as cruzes passaram a constituir-se em símbolos do um milagre realizado por “São João Maria”, e mais do que a maioria dos “ditos” milagres este, mais do que qualquer outro, tinha seus objetos miraculosos como algo palpável e ao alcance dos olhos de todos.
Com o passar do tempo e as intempéries do clima, essas cruzes de madeira foram sendo consumidas, até que restasse uma única que, como monumento que resistiu ao tempo, acabou por ficar descontextualizada em meio às alterações daquele local, sem as demais cruzes, sem a capela (transferida para a outra margem do rio), com estabelecimento da praça e a própria criação do município de Mafra. Fora do novo contexto àquela época, era pelo menos o que a administração municipal acreditava, por isso empenhou-se em providenciar a transferência para local mais adequado à sua própria estrutura como símbolo religioso, o cemitério municipal.
Dada a publicidade que se julgou conveniente, a remoção tornou-se uma solenidade pública, com a presença da população de Mafra e Rio Negro, autoridades locais, padre e até banda de música, um verdadeiro evento sócio/religioso que, não teve boa recepção por parte da comunidade, devota de São João Maria. Naquele 16 de agosto de 1919, sob um clima tenso em que era visível o descontentamento da população pelo fato da retirada da cruz de seu lugar original e em meio à discursos e cenas de fé de pessoas simples que ali estavam, a multidão pôs-se a protestar e com ânimos exaltados, realizou uma passeata, chegando a invadir o prédio da prefeitura. Conseqüentemente a solenidade foi imediatamente encerrada, permanecendo a cruz em seu local.
O fracasso da remoção da cruz não implicou na desistência dessa idéia, apenas mostrou a necessidade de concretizá-la de forma diferente, mudando-se de estratégia, em 1920 a cruz foi retirada da praça e fixada no cemitério durante a madrugada, sem alardes e sem oportunidade para qualquer reação do povo, que mesmo desaprovando o ato, não reagiu a ele.
Foi então que anos depois, em 1926, que o novo “milagre” aconteceu, tão conhecido atualmente quanto o anterior, a cruz “misteriosamente” retornou à praça, como por obra divina, surpreendendo a “todos”, ressaltando ainda mais sua condição de símbolo de fé.
Sendo a partir daí assentada em definitivo na Praça Hercílio Luz e, posteriormente protegida pela capela erguida ao seu entorno, os restos do lenho da antiga cruz permanecem até os dias de hoje como marco da história deste município e da fé de seus habitantes.