A pandemia do coronavírus impôs abruptamente a todas as pessoas a realidade da quarentena: privação da liberdade, limites, mudança de hábitos e rotinas, dificuldades financeiras e organizacionais. Todos ao redor do mundo estão – ou estarão – submetidos a esse novo modo de viver que exige uma série de adaptações e transformações que parecem, em um primeiro momento, impossíveis de serem realizadas, mas não são. As pessoas são diferentes e reagem de modos únicos frente a desafios e situações-limite. Entretanto, a História da Humanidade mostra que sim, somos e seremos capazes de lidar com o rigor que a situação impõe, se soubermos manter a serenidade.
E como é possível manter serenidade numa situação tão drástica?
Tenho acompanhado e orientado muitas pessoas, pacientes e amigos, e tenho percebido que o acesso à tecnologia, que se tornou essencial para nós e com potencial para ser nossa aliada, tem se tornado nossa inimiga. Evite compartilhar todo tipo de mensagem falando sobre a pandemia, sobre métodos de proteção, desinfecção e, mais ainda, mensagens de pânico, relatos de pessoas que estão fora no Brasil, porque isso só contribui para aumentar nosso medo frente a algo que não temos controle, além das medidas de prevenção já conhecidas e difundidas. Isso não significa que devemos permanecer alienados: escolha uma fonte de informação para se atualizar durante um curto período do dia, uma única vez já é suficiente.
Use a tecnologia a seu favor: chame pessoas para conversar, faça chamadas de vídeo, conecte-se com as pessoas. Muita gente tem aproveitado o momento para propor atividades em grupo através das mídias sociais: cantar, rezar, bater papo, realizar discussões teóricas em áreas de seu interesse. Seja generoso: chame pessoas para conversar, mande um recadinho para aquela pessoa que você sabe que está sozinha e tem maior potencial de “pirar”. Na minha rede de amigos, eu tenho observado com cuidado quem está “surtando” e tenho chamado essas pessoas para conversar, distrair e até chamar a atenção para o nível de “piração”. Não é preciso ser psicólogo, psiquiatra ou terapeuta para cuidar dos amigos, das pessoas à nossa volta: basta um pouco de humanidade.
Pessoas que já fazem algum tipo de tratamento psiquiátrico podem estar mais vulneráveis a se desestabilizarem. Dê suporte a elas. Chame para conversar, certifique-se de que ela está bem, pergunte se suas medicações estão em dia, se for o caso. São pequenos cuidados que podem fazer uma grande diferença. O nível de ansiedade das pessoas está muito elevado e muita gente tem apresentado crises mais sérias, que necessitam de ajuda profissional e isso não é frescura. Vários profissionais da área de saúde mental tem se disponibilizado nas redes sociais para escuta e suporte gratuitos e procurar ajuda é o primeiro grande passo para recuperar o equilíbrio.
Procure manter-se em atividade, mas também descansar a mente. Dentro de casa, há uma série de afazeres que protelamos, deixamos para depois, geralmente alegando falta de tempo. A hora é agora. Coisas para consertar, arrumar gavetas, armários, documentos, jogar coisa velha fora e um sem número de atividades que podem ser executadas nesse período. Evite permanecer tempos infindáveis numa única atividade, porque você pode se enjoar dela e, com isso, aumentar seu tédio. Aprenda a dosar.
Como disse, a mente também precisa descansar. Não tenha vergonha de ficar deitado um dia inteiro, ficar de pijama e arrastar as meias pelo chão ou mesmo ficar sem roupa pela casa. Lembre-se do quanto reclama de ter que usar roupa social, uniforme, calça comprida e sapato fechado todos os dias. É legal também exercitar um pouco de vaidade. Cuide-se. Tome banho, faça as unhas, arrume o cabelo, apare ou depile os pelos se achar necessário.
O tédio, a irritação e o estresse chegarão para todos, não importa se sozinhos ou acompanhados. Do mesmo modo, o importante é desviar o foco da irritação com uma outra atividade: ouvir uma música, tomar um banho, respirar fundo. Se você está confinado com outras pessoas, não tenha vergonha e nem receio de se afastar um pouco. Vá descansar, respeite sua necessidade de espaço, mude de ambiente. Não há nada de errado em se recolher um pouco para aumentar os níveis de paciência. O confinamento em grupo, sobretudo em família, nos coloca frente a frente com as dificuldades de convivência que conseguimos driblar ou evitar quando a rotina está normalizada: aquele irmão “chato”, aquela avó “crica”, aquele pai cheio de “manias” e isso pode fazer com que os ânimos se exaltem ainda mais.
Famílias convivendo com crianças possuem um grande desafio: driblar o tédio dos pequenos. Procure mantê-los em atividade, abuse da criatividade. Jogos, brincadeiras, pinturas, desenhos. Não se incomode com paredes rabiscadas, se for o caso. Tenho uma amiga que reservou uma parede inteira do quarto dos filhos para eles poderem rabiscar e deu muito certo. Evite deixar as crianças o tempo todo nos celulares, tablets e computadores. Sim, pode ser um grande sossego, mas procure dosar com outras atividades saudáveis.
Você que está podendo permanecer confinado e não se expondo a riscos a todo o tempo, como é o caso dos profissionais de saúde e de pessoas que são obrigadas a sair às ruas por uma questão de sobrevivência, seja grato. Compreenda que você está inserido num sistema de privilégios do qual muitas pessoas não fazem parte.
As dicas podem ser infindáveis, porque cada pessoa pode descobrir um jeito diferente e inovador de lidar com essa crise. Vamos em frente, cuidando uns dos outros e se cuidando, até que possamos voltar à nossa rotina.
E fique em casa, se for possível!
*Marcelo Niel é médico psiquiatra e Doutor em Ciências pela UNIFESP