Em 2008 tive o prazer de conhecer esse belo país chamado África do Sul. Achei-o em muitos aspectos parecido com nosso Brasil. A começar pela receptividade do povo. É natural que numa cultura diferente da nossa fiquemos mais atentos a nuances que possam diferenciá-la, contrastar ou se assemelhar com o que estamos acostumados. Pude viver algumas situações que espelharam marcas de um passado recente, um fantasma que ainda ronda a sociedade sul-africana. Relatá-las agora é bastante oportuno para ilustrar como estava o país 14 anos depois das eleições vencidas pelo partido Congresso Nacional, que elegeu Mandela presidente.
- Jefreys Bay: Na praia internacionalmente conhecida pelos surfistas, com casas sem muro com nítida influência europeia, uma cena chamou nossa atenção. Um grupo pessoas trabalhava reparando o calçamento da bela rua. Eram três negros e um branco. O branco dava as ordens.
- Van: Na Cidade do Cabo, considerada uma das oito mais belas do mundo, quase não se usava (em 2008) ônibus urbanos. O trânsito de vans era responsável por boa parte do transporte público, pelo menos no centro da cidade. Eu e uma colega entramos numa dessas vans, com apenas dois lugares vagos. Eu fiquei indeciso se no fundo da van havia lugar para mim, mas acabei me dirigindo pra lá e sentei-me ente duas senhoras negras. Entre eles é muito comum se falar em africâner, inglês ou português, fruto das colonizações que influenciaram sua cultura. Sem saber que eu era brasileiro, uma das senhoras, tendo percebido minha indecisão comentou assim com a outra: -“Ele não quer sentar perto de nós. Tem medo de se contaminar!”. Sorri, e com o máximo possível de educação respondi, em bom português também, que eu era brasileiro e que aqui não pensávamos dessa forma.
- Boate Tiger Tiger: A Cidade do Cabo é multicultural, fruto do intenso fluxo de turistas do mundo inteiro. Certa noite eu e mais três brasileiros decidimos conhecer a balada mais famosa da cidade, a Tiger, Tiger (“táiga, táiga”). Fomos orientados a não responder à provocações, pois um dos amigos era negro e naquela boate, elitista para os padrões sul-africanos, poderia não ser bem vindo. Nenhum de nós hesitou um segundo. Fomos mesmo assim, é claro, e nada aconteceu de anormal. Mas gerou desconforto e espanto pensar que um amigo fosse desrespeitado dessa maneira numa das cidades mais cosmopolitas do país.